Ato I
Tinha acabado de chegar ao local. Iria pegar a primeira cerveja da noite. No caminho até o bar os olhares se cruzaram pela primeira vez. Mas o outro olhar pareceu acompanhado E estava. Focou-se então na cerveja.
Mas os olhos continuavam cruzando-se. No caminho, para lá e para cá, um esbarrão, de novo o olho no olho. Esqueceu-se de que quem lhe interessava tinha companhia. A correspondência dos olhos era fato e inevitável.
Comentou com o amigo, que concordou sobre o que o outro também via. Era de interesse dos olhares que se cruzavam. E depois de um tempo ficou mais claro.
Divertia-se com os amigos, até meio alheio ao que acontecia ao redor, notou novamente a passagem daqueles dois olhos que lhe encaravam e que junto com o resto do corpo acabaram sentando-se praticamente ao seu lado. Começou o flerte, depois de um gole na cerveja, com um leve toque em seu braço, acariciando de leve sobre a camiseta vermelha de manga comprida.
O braço não se afastou. Era um sinal mais evidente. Mas ainda não tinha coragem de conversar. Não sabia o que dizer, o que perguntar, onde colocar a mão. Continuou a acariciar e agora não só os olhos faziam parte do flerte. Além das mãos, havia um sorriso. Sorriso malicioso, convidativo, mas ainda não tinha coragem de falar.
Os olhos cansaram-se de esperar. O sorriso levou-se e saiu em direção aos amigos e a camiseta vermelha era vista pelas costas, indo, não muito longe dali. Achou que teria perdido a chance. Pensou e reprimiu-se por dentro pedindo a si mesmo que depois não reclamasse que a vida lhe era injusta. Esta ali, ao seu lado e nada vez. Amaldiçoou pela centa vez sua timidez.
Numa nova cerveja, a amiga, que conhecia há apenas dois dias, falou-lhe algo que lhe deu ânimo. Fez-lhe sentir-se bem. "Ouvi dizer que você se acha feio. Pode parar com isso. Você é muito bonito e, não, isso não é um xaveco". Aquilo tocou-lhe, talvez ela nem tenha percebido como e de que maneira, mas era o impulso mais preciso de que ele precisava. Pensamentos para que a vida lhe desse uma nova chance sobrevoavam sua cabeça. E a vida, generosa, deu.
Meio que por mágica, voltou pra perto e sentou-se em outra cadeira, bem de frente. Novos olhares e sorrisos maliciosos. Uma certa incomodação pela demora, um passo à frente, um gole na cerveja, um olhar, um sorriso, mais um passo e um trident. Do outro bolso surge um halls.
***
- Oi! Acho que cansei de só te olhar. Uma hora alguém precisava vir conversar né?
Risos dos dois lados.
- Puxa a cadeira, senta ai. Tudo bom?
- Tudo bem e com você?
- Tudo certinho também.
[apresentações nominais]
- Você é de onde?
- São Paulo, mas minha família é daqui e vc?
- Daqui mesmo. Que você faz?
- Sou jornalista freelancer e vc?
- Eu trabalho. Sou da área societária de uma empresa aqui. Vou a São Paulo pelo menos uma vez por mês.
- Que legal. Gosta de lá?
- Até gosto, mas já fui assaltado duas vezes. Roubaram meu celular. Quer dizer, na primeira roubaram, na segunda eu fugi. Mas acabei tropeçando enquanto corria e passei o dia seguinte todo ralado e com dores. Mas pelo menos fiquei com o cel. Hehehe. Quantos anos você tem?
- Chuta. Vamos ver se acerta.
- Ah, se você já é formado e trabalha, você tem mais de 22. Vou te dar 23 anos.
- Quase. 24. 25 em novembro. E você quantos tem?
- Adivinhe também então.
- Ah, eu acho que você tem cara de ter uns 22. Deve ser mais jovem que eu.
- Ahauhauahuahauahu, quem me dera. Tenho 28.
- Nossa não parece mesmo.
- Peraí. Vou ali avisar meu amigo que estou aqui com você.
***
[algumas zoeiras e muitas risadas dos amigos dizendo-lhe que havia levado um bolo e que ia ficar ali esperando realmente sentado, eis que surge, em meio ao povo, o olhar e o sorriso de volta]
- Oi, voltei. Seus amigos parecem ter achado graça...
- É, eles são engraçadinhos mesmo. Vieram me encher o saco, pra variar.
Beijo. Gostoso, encaixado.
Risos ao fundo. Os mesmos amigos. Não perceberam onde estava a graça. Abstraíram.
Beijo.
- Que pena que você não mora aqui.
- Mas você vai todo mês pra Sampa. Já é algo bom. Risos dos dois lados.
- Vai ver alguma peça amanhã?
- Vou mas não sei o nome. Meu amigo foi quem comprou. Mas é às nove e meia.
- A minha também. Quem sabe não é a mesma, né?
- Quem sabe. Tá ficando onde aqui?
- Tô na casa de um desses amigos bestas aqui atrás.
***
Beijos
***
[os amigos que acham graça querem ir embora]
- Bom, preciso ir que estou de carona.
- Meus amigos também querem ir em breve. Já me fizeram sinal.
- Então de repente a gente se vê na peça amanhã. Me dá seu telefone?
- Claro, anota ai e dá um toque no meu que já fico com o seu também.
[troca de números feita]
- Então tchau.
- Me liga amanhã à tarde, tá?!
- Podexá. Ligo sim.
***
Beijos
Fim do Primeiro Ato.
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