segunda-feira, 27 de julho de 2009

Porque a vida é teatro também

Ato I

Tinha acabado de chegar ao local. Iria pegar a primeira cerveja da noite. No caminho até o bar os olhares se cruzaram pela primeira vez. Mas o outro olhar pareceu acompanhado E estava. Focou-se então na cerveja.

Mas os olhos continuavam cruzando-se. No caminho, para lá e para cá, um esbarrão, de novo o olho no olho. Esqueceu-se de que quem lhe interessava tinha companhia. A correspondência dos olhos era fato e inevitável.

Comentou com o amigo, que concordou sobre o que o outro também via. Era de interesse dos olhares que se cruzavam. E depois de um tempo ficou mais claro.

Divertia-se com os amigos, até meio alheio ao que acontecia ao redor, notou novamente a passagem daqueles dois olhos que lhe encaravam e que junto com o resto do corpo acabaram sentando-se praticamente ao seu lado. Começou o flerte, depois de um gole na cerveja, com um leve toque em seu braço, acariciando de leve sobre a camiseta vermelha de manga comprida.

O braço não se afastou. Era um sinal mais evidente. Mas ainda não tinha coragem de conversar. Não sabia o que dizer, o que perguntar, onde colocar a mão. Continuou a acariciar e agora não só os olhos faziam parte do flerte. Além das mãos, havia um sorriso. Sorriso malicioso, convidativo, mas ainda não tinha coragem de falar.

Os olhos cansaram-se de esperar. O sorriso levou-se e saiu em direção aos amigos e a camiseta vermelha era vista pelas costas, indo, não muito longe dali. Achou que teria perdido a chance. Pensou e reprimiu-se por dentro pedindo a si mesmo que depois não reclamasse que a vida lhe era injusta. Esta ali, ao seu lado e nada vez. Amaldiçoou pela centa vez sua timidez.

Numa nova cerveja, a amiga, que conhecia há apenas dois dias, falou-lhe algo que lhe deu ânimo. Fez-lhe sentir-se bem. "Ouvi dizer que você se acha feio. Pode parar com isso. Você é muito bonito e, não, isso não é um xaveco". Aquilo tocou-lhe, talvez ela nem tenha percebido como e de que maneira, mas era o impulso mais preciso de que ele precisava. Pensamentos para que a vida lhe desse uma nova chance sobrevoavam sua cabeça. E a vida, generosa, deu.

Meio que por mágica, voltou pra perto e sentou-se em outra cadeira, bem de frente. Novos olhares e sorrisos maliciosos. Uma certa incomodação pela demora, um passo à frente, um gole na cerveja, um olhar, um sorriso, mais um passo e um trident. Do outro bolso surge um halls.

***
- Oi! Acho que cansei de só te olhar. Uma hora alguém precisava vir conversar né?
Risos dos dois lados.
- Puxa a cadeira, senta ai. Tudo bom?
- Tudo bem e com você?
- Tudo certinho também.
[apresentações nominais]
- Você é de onde?
- São Paulo, mas minha família é daqui e vc?
- Daqui mesmo. Que você faz?
- Sou jornalista freelancer e vc?
- Eu trabalho. Sou da área societária de uma empresa aqui. Vou a São Paulo pelo menos uma vez por mês.
- Que legal. Gosta de lá?
- Até gosto, mas já fui assaltado duas vezes. Roubaram meu celular. Quer dizer, na primeira roubaram, na segunda eu fugi. Mas acabei tropeçando enquanto corria e passei o dia seguinte todo ralado e com dores. Mas pelo menos fiquei com o cel. Hehehe. Quantos anos você tem?
- Chuta. Vamos ver se acerta.
- Ah, se você já é formado e trabalha, você tem mais de 22. Vou te dar 23 anos.
- Quase. 24. 25 em novembro. E você quantos tem?
- Adivinhe também então.
- Ah, eu acho que você tem cara de ter uns 22. Deve ser mais jovem que eu.
- Ahauhauahuahauahu, quem me dera. Tenho 28.
- Nossa não parece mesmo.
- Peraí. Vou ali avisar meu amigo que estou aqui com você.

***
[algumas zoeiras e muitas risadas dos amigos dizendo-lhe que havia levado um bolo e que ia ficar ali esperando realmente sentado, eis que surge, em meio ao povo, o olhar e o sorriso de volta]
- Oi, voltei. Seus amigos parecem ter achado graça...
- É, eles são engraçadinhos mesmo. Vieram me encher o saco, pra variar.
Beijo. Gostoso, encaixado.
Risos ao fundo. Os mesmos amigos. Não perceberam onde estava a graça. Abstraíram.
Beijo.
- Que pena que você não mora aqui.
- Mas você vai todo mês pra Sampa. Já é algo bom. Risos dos dois lados.
- Vai ver alguma peça amanhã?
- Vou mas não sei o nome. Meu amigo foi quem comprou. Mas é às nove e meia.
- A minha também. Quem sabe não é a mesma, né?
- Quem sabe. Tá ficando onde aqui?
- Tô na casa de um desses amigos bestas aqui atrás.

***
Beijos
***

[os amigos que acham graça querem ir embora]
- Bom, preciso ir que estou de carona.
- Meus amigos também querem ir em breve. Já me fizeram sinal.
- Então de repente a gente se vê na peça amanhã. Me dá seu telefone?
- Claro, anota ai e dá um toque no meu que já fico com o seu também.
[troca de números feita]
- Então tchau.
- Me liga amanhã à tarde, tá?!
- Podexá. Ligo sim.

***
Beijos


Fim do Primeiro Ato.

domingo, 12 de julho de 2009

Sobre as formas de se dizer que ama

I love you, je t'aime, eu te amo e tantos outros não dizem a mesma coisa

Ontem conversava com um amigo na net e diante de uma brincadeira, começamos e conversar sobre falar "eu te amo". Eu dizia que ele me amava, e ele escrevia "i love you". Começamos a discutir sobre as formas de se dizer a alguém que ama, seja amor de amigo, de irmão, de marido, de mulher, enfim, de um sentimento entre duas pessoas.

Cheguei à conclusão de que dizer "eu te amo", como todo mundo sabe, não é das coisas mais simples da vida. Quando ele me escreveu "I love you", fiz ele escrever em português. E foi ai que tudo começou. Porque dizer sobre tamanho sentimento na sua língua pátria é algo complexo. Parece que "eu te amo" diz mais que "i love you", e realmente diz.

Em português, aos falantes da língua, "eu te amo" soa mais verdadeiro do que um "i love you" ou que um "je t'aime". Soa mais profundo. Não quero dizer que ele me amava menos ou com menor intensidade ao escrever em inglês, mas o fato lhe tirava a responsabilidade sobre o que dizia. Comentei sobre essa minha visão da coisa com esse meu amigo. Ele não entendeu a complexidade. Ou melhor, acho que entendeu, mas se fez de desententido... ou sei lá, preferiu não achar que eu estava duvidando de seu sentimento e eu realmente não estava. Mas que tudo fazia sentido, fazia.

A partir daí, minha cabeça já toda ligada numa discussão interna sobre o caso, comecei a pensar ainda mais sobre. Como era dífícil para alguns dizer "eu te amo", como era difícil inclusive para mim. Eu disse isso ao vivo para no máximo cinco pessoas. Acho pouco. Queria poder dizer mais, mas não consigo. Acho que banaliza quando dito demais, ou então quando dito logo de começo, acho falso. Acho que tenho problemas com "eu te amo", hehe.

Voltando ao fato que deu início a esses pensamentos, tentei fazer meu amigo dizer que me amava em português. Ele não titubeou e nem enrolou, mas usou algo que mais uma vez me fez pensar. Realmente não era difícil só para mim, parecia ser geral. Eis que ele escreve "amo-te". Perai, cadê o sujeito da frase? Cadê o EU que seria a particula que deveria me fazer realmente acreditar que ele tava dizendo algo que vinha mesmo de dentro e com verdade? É, parecia um "tá bom eu te amo, mas tenho vergonha de dizer e contente-se com isso, que já me é complicado falar. Amo-te." Mas era pelo menos em português. E eu sabia que era real.

O fato é que realmente me parece mais simples e descompromissado um "i love you". Sei lá, me parece não carregar a mesma emoção, não parece esboçar verdadeiramente o sentimento. Posso olhar um estranho na rua e dizer "i love you". Mas jamais conseguirei dizer "eu te amo". Muito menos olhando nos olhos. Nunca. Acho que da mesma forma acontece com brigas. A força dos xingamentos não é a mesma. Brigar em inglês dá a impressão de que a gente sempre sai perdendo. No caso do "i love you", saímos os dois perdendo.

Na verdade, eu acabei ganhando, ganhando um "i love you", um "amo-te" e uma discussão sobre o tema. Há tempos não tinha me posto a pensar profundamente em algo. Eu que tenho problemas com amores, me pego pensando em formas de se dizer que ama. Talvez tenha me feito bem. Espero que sim. Acho que fez.