A tragédia. Hoje o Brasil amanheceu chocado. O mundo chocou-se por volta da hora do almoço, quando as agências internacionais começaram a noticiar o fato. E eu estou até agora sem ter processado direito a tragédia na escola do Rio de Janeiro. Não vou conseguir nunca compreender o sofrimento que isso causou – aliás, espero nunca precisar entendê-lo -, mas algo dentro de mim está completamente fora de si. Muitas lembranças me vieram à cabeça hoje, esse 7 de abril de 2011.
A dor. Hoje não morreram apenas 11 crianças por conta dos tiros dentro daquele colégio. Morreram ali muito mais pessoas. Números talvez incontáveis, mas prefiro deter-me a apenas as partes mais próximas: morreram ali muitos pais e mães. Pais e mães que agora, nesse exato momento, sangram, choram, desmaiam, não sabem o que sentem, perderam o sentido da vida. Durante todo o dia de hoje, rondou minha cabeça uma conversa que tive com meu pai, há muito tempo. “Um filho que perde o pai sofre por um tempo, mas o próprio tempo faz a dor passar, afinal, essa é a ordem natural das coisas. Mas o pai que perde um filho, morre junto com ele, porque as coisas não deveriam ser assim”, disse o velho. Refleti sobre isso por horas e horas hoje. Justo em uma semana em que uma conversa numa mesa de restaurante com amigos foi sobre ter filhos, cria-los e deixá-los viver num mundo como este. Pensei sobre o que seria eu capaz de fazer se ousassem tocar em um filho meu. Pensei sobre o que poderiam fazer esses pais diante de um assassino que teve a covardia – ou a boa ideia - de se matar.
A mídia. Hoje é um dos vários dias do ano em que “comemora” o Dia do Jornalista. A tragédia, infelizmente, um prato cheio para audiências de portais de notícias, blogs, televisão, rádio, todos os meio de comunicação têm o poder de imediatamente informar. E foi no Dia do Jornalista que o Jornalismo, afoito e desenfreado, foi feito a encontros e desencontros, a torto e a direto, sem checagem, apuração, de “parece que”, “dizem que”, “pelo menos” e todas outras imprecisões que lhe couberam noticiar. Às 10h, 15 mortos. Ao meio-dia, 13 e mais tarde, 11. O assassino, antes era um pai de aluno. Depois, aluno. Em seguida, ex-aluno do colégio. Foi morto pelo sargento que entrou na escola assim que avisado. Não, não, espera aí, o atirador na verdade se matou. Não, acaba de chegar a informação de que o policial o atingiu e em seguida ele se suicidou. Ah, ele era ligado ao Islamismo, tinha HIV e deixou uma carta citando tudo isso. “Leia a carta do atirador na íntegra”. Lê-se. Senti falta de Alá, não achei citações sobre Aids, mas encontrei trechos em que pedia perdão a Deus e a Jesus, doava sua casa para a proteção dos animais e ao final, fui interrompido no raciocínio por um link com uma galeria de fotos. Foto. Foto. Foto. Vídeo. “Estava perto do local? Tirou fotos? Fez vídeo? Envie para nós”. Abro um portal, eis a foto do atirador, morto, jogado na escada no colégio, na capa. Em meio a tanta dor, tanta tragédia, vamos bater a meta da audiência em um dia, não é mesmo? E o sargento agora é herói, a senhora de cabelos brancos que é vizinha da escola é perita em balística e as mães desesperadas em prantos e aos gritos em busca de informações sobre os filhos são as responsáveis pela trilha sonora das cenas que a televisão exibiu. Era Dia do Jornalista.
A morte. Tá aí uma coisa que não muda e não nos acostumaremos nunca. A certeza da morte. Muitas das religiões veem a morte como uma coisa boa, bem melhor que essa vida que aqui se leva. Eu vejo como um sinal da impotência do homem. O que se pode fazer diante da morte? Nada! Chorar, lamentar, sentir falta? Somos completamente impotentes diante dela e de todo o eterno sofrimento que ela causa aos que aqui ficam. Mais uma vez uma cena antiga me veio à cabeça quando pensei sobre isso pela manhã. “Poxa, meus sentimento pela morte do seu avô”, disse eu a um amigo, ao saber do acontecido e tentando acalmá-lo do choque da notícia. “Seus sentimentos não irão trazê-lo de volta”, gritou ele em alto e bom som, olhando-me nos olhos enquanto dos seus escorriam lágrimas de dor. Embora nervoso, ele tinha toda a razão. E assim como o avô, nenhuma dessas crianças hoje seria trazida de volta a seus pais, por mais que esses o quisessem ou pedissem. Mas a dor voltaria a cada lembrança, a cada saudade, a cada dia. Seria perene. Principalmente num caso em que a morte foi imposta – o que a vida foi tirada, se assim preferirem. Digam a um pai num momento desses que “foi da vontade de Deus” e seja firme para ouvir a resposta e seja tão fiel a sua religião a ponto de perdoá-lo por tantas “blasfêmias”. Foi nisso que pensei.
A moda. Há sempre um tema que explica tudo. O da moda é o Bullying, porque a bipolaridade era o da estação passada. Nem mesmo o nome do atirador era sabido e os psicólogos já decretavam como motivo das atitudes dele o bullying que havia sofrido durante a infância naquela mesma escola. Será? “Assassino tinha problemas psicológicos, diz psicóloga”, li num site. “Ele era introvertido, afirma colega de trabalho”, dizia outro portal. Então devo temer com toda força aquela menina que senta no fundo da redação e quase não fala com ninguém, certo? Devo sair atirando em pessoas porque elas me chamaram de gordo, bicha, girafa, esquisito, quatro olhos, seja lá o que for quando eu era criança? “A mídia e a sociedade desejam explicações para um desvario sem significado” foi a explicação mais inteligente que li, do antropólogo Roberto Albergaria. Agora o bullying justifica. Essa é a moda.